quinta-feira, 29 de maio de 2014

UM NOVO SINTOMA SOCIAL

A educação no Brasil, a cada dia se torna mais difícil de ser definida. Tanto por falta de um interesse maior do ponto de vista dos alunos, como da sobrecarga de trabalho a qual os professores são submetidos. Tudo isso corrobora para que o ensino-aprendizagem seja algo semelhante a um processo degradante e conflituoso do ponto de vista social. Cada vez mais é dada aos professores a responsabilidade do futuro da nação brasileira, em contrapartida, esquece-se de prepará-los para a batalha árdua e conflitante que é ensinar em nosso País. Estruturar técnica, social e
emocionalmente, indivíduos que não estão nem aí para o que lhes é oferecido, a viverem em uma sociedade que não busca uma cultura mais respeitosa e edificante, sem que para isso, tenha-se um trabalho valorizado por todos, se torna algo meio que utópico, ou pelo menos, de complicada execução.
            É coisa da cultura brasileira, e não adianta fazer nada, pois nada muda mesmo! É frase comum de se ouvir em discussões educacionais, e até mesmo em rodas de estudantes. Mas como assim coisa da cultura? Pode ser que sim, pode ser que não, mas dizer que não se pode fazer nada a respeito, não concordo. Por que então, vemos a educação privada se expandir e dar pulos não, saltos em desenvolvimento escolar, enquanto o setor público fica se debatendo e girando em círculos, sem sair do lugar, e ainda por cima, não constrói o seu modelo ideal de estudante. Será que não constrói? Será que não é isso mesmo que o sistema educacional quer? Pessoas sem grau de instrução e sem a capacidade de refletir e de discernir tudo o que acontece na comunidade, dando assim, margem para que de tudo em nosso país possa acontecer?
            Um grande problema na educação como um todo, é que se tenta de forma essencial enquadrar o estudante em um método pré-estabelecido, padronizado, e estagnador que trata todos como se fosse um. É como usar uma receita de bolo para cada vez que se precisar de um cidadão. Isso fica quase que insuportável para a sociedade, pois cada indivíduo é único e lida com o ensino, com suas questões pessoais, emocionais etc. de forma particular e privatizada. Não se pode prender, ou até mesmo adequar o ser ao ensino, o que deve ser feito é adequar o ensino ao ser, pois do jeito que a coisa caminha, a sociedade vai sentir em forma de sintoma, cada um dos transtornos inerentes ao conflito social.
            Sintoma esse que, à luz da Psicanálise, acaba sendo o matar a vontade de aprender. Esse desejo que primeiramente deveria se inserir no sujeito e ser saciado, acaba sendo recalcado e jogado no inconsciente como dejeto. É mais ou menos como matar o sujeito também, pois o mesmo não pode ser diferente, ele precisa ser como todo mundo diz que tem que ser, e caso fuja do padrão, ele é como um câncer social que, se puder ser tradado tudo bem, se não, precisa ser eliminado. O sistema de ensino acaba assim, se utilizando de dois pesos e duas medidas para definir quem é apto, e que quem não pode de forma alguma estar no programa educacional padrão, criando desta forma, outro sistema de educação que permita àqueles não aptos ao padrão, “se instruírem”.
            O professor busca o aluno ideal, respeitador do sistema, e exclui de certa forma o aluno que não se enquadra. Parece que, para o professor, esse aluno se encontra nas classes mais ricas da sociedade, sendo que, à família é dada a responsabilidade do fracasso escolar, como também a fatores fora da escola, fazendo com que o professor não seja mais tão participador do fracasso do aluno na escola. É obvio que a responsabilidade é de todos, e não de um único fator isolado. O professor começa a acreditar que só o resta fazer uma coisa, ou ensina, ou trata de um deficiente educacional, enquanto ao aluno, só resta ser padrão ou ser doente.
            As novas correntes educacionais definem uma linha bastante interessante de conceber o processo educacional. Essas abordagens observam o aluno como um ser único, indivisível, personalizado e singular. Não buscam de forma alguma enquadrar o sujeito em um padrão, pelo contrário, estabelecem formas educacionais específicas para as reais necessidades de cada aluno, visando deste modo, extrair o potencial máximo de cada um. Parece ser uma visão muito mais aceitável, pois o ser humano não pode ser visto como uma equação matemática onde a opção de resolução possível é exatamente igual todas às vezes, é muito mais complexo que isso. Pois, toda criança tem direito a educação; a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas.
            Um fator problemático que acarretou o uso dos modelos que enquadram o aluno no conceito de normalidade tem origem nos modelos de ensino-aprendizagem descritos por Jean Piaget, que colocava o indivíduo como ser passivo no processo, dependendo apenas do seu desenvolvimento biológico, para que assim os desafios pudessem ser disponibilizados a ele. Outro fator importante influenciador, foi o de colocar a criança sob o olhar apenas médico, ou seja, patologizado segundo esse mesmo olhar, em vez de ser visto de forma pedagógica. Foi dada então, a responsabilidade ao aluno, sendo assim, quem deveria ser o maior beneficiado pelo processo, acabou se tornando vítima dele. Isso começa a ser um pouco complicado, por que quanto mais se enquadra o aluno em certa patologia, e lhe é dada a mínima chance de frequentar um ensino “normal”, o estigma já foi feito, resta apenas saber como conviver com ele da forma menos aflitiva para o restante do quadro de alunos. É complicado admitir esse tipo de mentalidade que exclui os alunos portadores de necessidades especiais. Pensamento esse que os próprios professores têm, e que, de uma forma meio que carrasca, elimina qualquer possibilidade de um aluno especial frequentar uma turma de ensino regular. O problema é que uma mentira falada muitas vezes, se torna verdade. É isso que o aluno portador de alguma necessidade especial, no Brasil, possui, uma marca, um estigma que o condiciona a ser algo que nem mesmo ele sabe o que é. É como uma prisão subjetiva, encarceradora do estudante que está preso sem saber por que.
            Acreditamos sempre que existe um outro que nos influencia, que nos rege, um outro físico, concreto por assim dizer. Esse outro muitas vezes é relacionado como sendo a lei, o sistema, Deus etc. Ditando as normas e nos orientando no caminho a seguir. Para a psicanálise, esse outro não é necessariamente apenas social e externo ao indivíduo, mas sim, o outro interno que gera certas posições no indivíduo. Esse outro que o significa e o complementa, está na vida mental do sujeito, muitas vezes como espelho, como forma de outro significante que o influencia e o faz experimentar o mundo enquanto desejo. Lacan acredita que o outro é totalmente responsável pela construção do sujeito, pois esse sujeito só consegue se definir a partir da visão do outro perante ele. Daí o sentido dado ao professor ter que despertar o desejo do aluno em aprender e se constituir como sujeito. Só que, a realidade não é tão clara como se pensa, pois o outro, também é desejante, a saber, até que ponto o aluno quer aprender ou ensinar e o inverso se obtém com o professor. Lacan vai dizer que o outro é inconsciente, e não se tem acesso a ele. Daí a razão de os estudantes muitas vezes tornarem o desejo do outro o seu desejo, o que complica, pois o outro não é assim tão Deus e absoluto como o desejo mostra ser. O outro de certa forma não existe, porque ele não sabe todas as respostas, não tem a satisfação de todas as necessidades a ele confiadas. Sendo assim, no final das contas, para se deixar de viver dessa forma, é preciso retomar o desejo e as expectativas postas no outro, e realocá-las como sendo nossas, de onde nunca deveriam ter saído, já que o outro não existe mais. Jaques Alain Miller, póstuma o outro como um parceiro-sintoma, ou seja, é a relação suposta de o outro tornar-se o sintoma de um gozo, sendo essa relação eu-outro, o parceiro-sintoma um outro sexuado, um ser vivo. A crítica é que nas escolas, onde ninguém pode ser mais quem é, há sempre um rótulo, um estereótipo a ser superado e combatido. Isso pode ser devastador, pois até mesmo de forma positiva, exemplo um aluno superdotado, não consegue desenvolver-se de forma concreta e eficaz.
            Como tratado anteriormente, no início deste texto, e ainda mais, como promulga o grande Lacan, é impossível encaixar o sujeito em uma categoria específica, por se tratar de um ser indivisível e diferente dos demais. Essa tentativa se tornará frustrada, pois cada um é percebido e se percebe de forma singular. No meio escolar, percebe-se de forma clara, cada um dos enquadres aonde as crianças são colocadas, todos com um sintoma diferente, mas sendo rotulados e tidos como doentes deficitários e descaracterizados. Passando muitas vezes, a identificar os alunos não como se não existissem, mas sim, o quadro em que elas se encontram. Para Lacan, a previsão do sentido do sujeito não vigora, por ser absurdamente errado dizer quem é o indivíduo apenas por um sintoma. Ninguém sabe quem é esse sujeito, o que ele pensa, o que ele sente, e o que ele deseja, por que nunca haverá a possibilidade de estar em seu corpo para ver e ser como ele é efetivamente.
            O texto como um todo, traz algo que todos os profissionais, e de forma mais próxima os médicos, pedagogos e psicólogos deveriam pensar. Que o fracasso escolar não apenas responsabilidade de um sujeito ou de outro especificamente, mas sim, de uma cadeia de processos e procedimentos que muitas vezes estão além de nosso domínio e compreensão. Achar que o sujeito é algo moldável, limitado ou robotizado, significa matar o sujeito. Tudo que ele construiu, todas as batalhas enfrentadas por ele, até mesmo dentro do ventre de sua mão, há de não significar nada, ao encaixá-lo em uma teoria que o explique. Alegria, raiva, paixão, lágrimas, sucesso e fracasso fazem parte da construção de sua subjetividade e do seu eu, nada nem ninguém pode mudar isso. Os alunos, como sujeitos que são, precisam ser colocados em uma posição de destaque, onde possibilidades deveriam ser disponibilizadas para eles, com o intuito de desenvolvê-los da forma mais eficiente possível, com respeito à diversidade, e acima de tudo, a singularidade de cada um.

Encaixe ou procure uma teoria que explique o sujeito, mas nunca uma que o defina!
Por: Antônio Gonçalves da Silva Neto 

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