A educação no Brasil, a cada dia se torna mais difícil de
ser definida. Tanto por falta de um interesse maior do ponto de vista dos
alunos, como da sobrecarga de trabalho a qual os professores são submetidos.
Tudo isso corrobora para que o ensino-aprendizagem seja algo semelhante a um
processo degradante e conflituoso do ponto de vista social. Cada vez mais é
dada aos professores a responsabilidade do futuro da nação brasileira, em
contrapartida, esquece-se de prepará-los para a batalha árdua e conflitante que
é ensinar em nosso País. Estruturar técnica, social e
emocionalmente,
indivíduos que não estão nem aí para o que lhes é oferecido, a viverem em uma
sociedade que não busca uma cultura mais respeitosa e edificante, sem que para
isso, tenha-se um trabalho valorizado por todos, se torna algo meio que utópico,
ou pelo menos, de complicada execução.
É coisa
da cultura brasileira, e não adianta fazer nada, pois nada muda mesmo! É frase
comum de se ouvir em discussões educacionais, e até mesmo em rodas de
estudantes. Mas como assim coisa da cultura? Pode ser que sim, pode ser que
não, mas dizer que não se pode fazer nada a respeito, não concordo. Por que
então, vemos a educação privada se expandir e dar pulos não, saltos em
desenvolvimento escolar, enquanto o setor público fica se debatendo e girando
em círculos, sem sair do lugar, e ainda por cima, não constrói o seu modelo
ideal de estudante. Será que não constrói? Será que não é isso mesmo que o
sistema educacional quer? Pessoas sem grau de instrução e sem a capacidade de
refletir e de discernir tudo o que acontece na comunidade, dando assim, margem
para que de tudo em nosso país possa acontecer?
Um
grande problema na educação como um todo, é que se tenta de forma essencial
enquadrar o estudante em um método pré-estabelecido, padronizado, e estagnador
que trata todos como se fosse um. É como usar uma receita de bolo para cada vez
que se precisar de um cidadão. Isso fica quase que insuportável para a
sociedade, pois cada indivíduo é único e lida com o ensino, com suas questões
pessoais, emocionais etc. de forma particular e privatizada. Não se pode
prender, ou até mesmo adequar o ser ao ensino, o que deve ser feito é adequar o
ensino ao ser, pois do jeito que a coisa caminha, a sociedade vai sentir em
forma de sintoma, cada um dos transtornos inerentes ao conflito social.
Sintoma
esse que, à luz da Psicanálise, acaba sendo o matar a vontade de aprender. Esse
desejo que primeiramente deveria se inserir no sujeito e ser saciado, acaba
sendo recalcado e jogado no inconsciente como dejeto. É mais ou menos como
matar o sujeito também, pois o mesmo não pode ser diferente, ele precisa ser
como todo mundo diz que tem que ser, e caso fuja do padrão, ele é como um
câncer social que, se puder ser tradado tudo bem, se não, precisa ser
eliminado. O sistema de ensino acaba assim, se utilizando de dois pesos e duas
medidas para definir quem é apto, e que quem não pode de forma alguma estar no
programa educacional padrão, criando desta forma, outro sistema de educação que
permita àqueles não aptos ao padrão, “se instruírem”.
O
professor busca o aluno ideal, respeitador do sistema, e exclui de certa forma
o aluno que não se enquadra. Parece que, para o professor, esse aluno se
encontra nas classes mais ricas da sociedade, sendo que, à família é dada a
responsabilidade do fracasso escolar, como também a fatores fora da escola, fazendo
com que o professor não seja mais tão participador do fracasso do aluno na
escola. É obvio que a responsabilidade é de todos, e não de um único fator
isolado. O professor começa a acreditar que só o resta fazer uma coisa, ou
ensina, ou trata de um deficiente educacional, enquanto ao aluno, só resta ser
padrão ou ser doente.
As novas
correntes educacionais definem uma linha bastante interessante de conceber o
processo educacional. Essas abordagens observam o aluno como um ser único,
indivisível, personalizado e singular. Não buscam de forma alguma enquadrar o
sujeito em um padrão, pelo contrário, estabelecem formas educacionais
específicas para as reais necessidades de cada aluno, visando deste modo,
extrair o potencial máximo de cada um. Parece ser uma visão muito mais
aceitável, pois o ser humano não pode ser visto como uma equação matemática
onde a opção de resolução possível é exatamente igual todas às vezes, é muito
mais complexo que isso. Pois, toda criança tem direito a educação; a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; possui
características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são
únicas.
Um fator
problemático que acarretou o uso dos modelos que enquadram o aluno no conceito
de normalidade tem origem nos modelos de ensino-aprendizagem descritos por Jean
Piaget, que colocava o indivíduo como ser passivo no processo, dependendo
apenas do seu desenvolvimento biológico, para que assim os desafios pudessem
ser disponibilizados a ele. Outro fator importante influenciador, foi o de
colocar a criança sob o olhar apenas médico, ou seja, patologizado segundo esse
mesmo olhar, em vez de ser visto de forma pedagógica. Foi dada então, a
responsabilidade ao aluno, sendo assim, quem deveria ser o maior beneficiado
pelo processo, acabou se tornando vítima dele. Isso começa a ser um pouco
complicado, por que quanto mais se enquadra o aluno em certa patologia, e lhe é
dada a mínima chance de frequentar um ensino “normal”, o estigma já foi feito,
resta apenas saber como conviver com ele da forma menos aflitiva para o
restante do quadro de alunos. É complicado admitir esse tipo de mentalidade que
exclui os alunos portadores de necessidades especiais. Pensamento esse que os
próprios professores têm, e que, de uma forma meio que carrasca, elimina
qualquer possibilidade de um aluno especial frequentar uma turma de ensino
regular. O problema é que uma mentira falada muitas vezes, se torna verdade. É
isso que o aluno portador de alguma necessidade especial, no Brasil, possui,
uma marca, um estigma que o condiciona a ser algo que nem mesmo ele sabe o que
é. É como uma prisão subjetiva, encarceradora do estudante que está preso sem
saber por que.
Acreditamos
sempre que existe um outro que nos influencia, que nos rege, um outro físico,
concreto por assim dizer. Esse outro muitas vezes é relacionado como sendo a
lei, o sistema, Deus etc. Ditando as normas e nos orientando no caminho a
seguir. Para a psicanálise, esse outro não é necessariamente apenas social e
externo ao indivíduo, mas sim, o outro interno que gera certas posições no
indivíduo. Esse outro que o significa e o complementa, está na vida mental do
sujeito, muitas vezes como espelho, como forma de outro significante que o
influencia e o faz experimentar o mundo enquanto desejo. Lacan acredita que o
outro é totalmente responsável pela construção do sujeito, pois esse sujeito só
consegue se definir a partir da visão do outro perante ele. Daí o sentido dado
ao professor ter que despertar o desejo do aluno em aprender e se constituir
como sujeito. Só que, a realidade não é tão clara como se pensa, pois o outro,
também é desejante, a saber, até que ponto o aluno quer aprender ou ensinar e o
inverso se obtém com o professor. Lacan vai dizer que o outro é inconsciente, e
não se tem acesso a ele. Daí a razão de os estudantes muitas vezes tornarem o
desejo do outro o seu desejo, o que complica, pois o outro não é assim tão Deus
e absoluto como o desejo mostra ser. O outro de certa forma não existe, porque
ele não sabe todas as respostas, não tem a satisfação de todas as necessidades
a ele confiadas. Sendo assim, no final das contas, para se deixar de viver
dessa forma, é preciso retomar o desejo e as expectativas postas no outro, e
realocá-las como sendo nossas, de onde nunca deveriam ter saído, já que o outro
não existe mais. Jaques Alain Miller, póstuma o outro como um parceiro-sintoma,
ou seja, é a relação suposta de o outro tornar-se o sintoma de um gozo, sendo
essa relação eu-outro, o parceiro-sintoma um outro sexuado, um ser vivo. A
crítica é que nas escolas, onde ninguém pode ser mais quem é, há sempre um
rótulo, um estereótipo a ser superado e combatido. Isso pode ser devastador,
pois até mesmo de forma positiva, exemplo um aluno superdotado, não consegue
desenvolver-se de forma concreta e eficaz.
Como
tratado anteriormente, no início deste texto, e ainda mais, como promulga o grande
Lacan, é impossível encaixar o sujeito em uma categoria específica, por se
tratar de um ser indivisível e diferente dos demais. Essa tentativa se tornará
frustrada, pois cada um é percebido e se percebe de forma singular. No meio
escolar, percebe-se de forma clara, cada um dos enquadres aonde as crianças são
colocadas, todos com um sintoma diferente, mas sendo rotulados e tidos como doentes
deficitários e descaracterizados. Passando muitas vezes, a identificar os
alunos não como se não existissem, mas sim, o quadro em que elas se encontram.
Para Lacan, a previsão do sentido do sujeito não vigora, por ser absurdamente
errado dizer quem é o indivíduo apenas por um sintoma. Ninguém sabe quem é esse
sujeito, o que ele pensa, o que ele sente, e o que ele deseja, por que nunca
haverá a possibilidade de estar em seu corpo para ver e ser como ele é
efetivamente.
O texto
como um todo, traz algo que todos os profissionais, e de forma mais próxima os
médicos, pedagogos e psicólogos deveriam pensar. Que o fracasso escolar não
apenas responsabilidade de um sujeito ou de outro especificamente, mas sim, de
uma cadeia de processos e procedimentos que muitas vezes estão além de nosso
domínio e compreensão. Achar que o sujeito é algo moldável, limitado ou
robotizado, significa matar o sujeito. Tudo que ele construiu, todas as
batalhas enfrentadas por ele, até mesmo dentro do ventre de sua mão, há de não
significar nada, ao encaixá-lo em uma teoria que o explique. Alegria, raiva,
paixão, lágrimas, sucesso e fracasso fazem parte da construção de sua
subjetividade e do seu eu, nada nem ninguém pode mudar isso. Os alunos, como sujeitos
que são, precisam ser colocados em uma posição de destaque, onde possibilidades
deveriam ser disponibilizadas para eles, com o intuito de desenvolvê-los da
forma mais eficiente possível, com respeito à diversidade, e acima de tudo, a
singularidade de cada um.
Encaixe ou procure uma teoria que explique o sujeito, mas
nunca uma que o defina!
Por: Antônio Gonçalves da Silva Neto
Nenhum comentário:
Postar um comentário